Futebol e carnaval são os eventos mais democráticos do Brasil. Todos participam e podem meter a sua colher enferrujada, como dizia vovó. Então, hoje eu escrevo sobre essa crise ou fase de declínio pela qual estão passando os nossos maiores times, o Remo e o Paysandu. Isso precisa acabar, porque a glória do futebol paraense está registrada no esporte nacional. Leão e Papão são duas instituições que fazem parte da cultura e da identidade paraense. A rivalidade entre os dois clubes é das mais saudáveis, e em dia de jogo é maravilhoso ver a alegria das bandeiras penduradas nas janelas, ou ver o uniforme dos dois times circular entre todas as ruas.
É preciso rever o caminho que os cartolas escolheram para os dois times. Eu era menino e me lembro de meu pai me apresentar a dois jogadores do Remo (Hermínio e Marido) que trabalhavam no Mercado de Carne do Ver-o-Peso. Outra grande estrela do Remo era o Quiba, funcionário do Departamento de Águas e Esgotos (a Cosanpa de hoje). O Socó era cabo da Aeronáutica e Véliz, goleiro do Remo, tinha uma oficina mecânica. O Paysandu tinha jogadores talentosos que me causavam enorme dor de cotovelo, como Gilvandro e Quarentinha (este último um meio de campo que levava a torcida do Papão ao delírio). Lembro-me também do Jorge Baleia, goleiro do Paysandu que trabalhava na Polícia Rodoviária Estadual. E como esquecer o China, da Tuna Luso Brasileira? Então, eu fui a quase todos os grandes jogos do Re x Pa, desde a minha infância, adolescência e primeira juventude, já que agora eu estou na segunda, e posso dizer que não havia concentração, grandes recursos, essa profissionalização toda, mas havia muito amor pelos clubes. Não era possível se imaginar um jogador do Remo ir para o Paysandu e vice-versa. Eu fui a grandes jogos, grandes espetáculos do futebol paraense que tem momentos excepcionais e inesquecíveis como a vitória do Paysandu contra o Peñarol, do Uruguai. Vi Remo e Paysandu vencerem grandes times que aqui se apresentaram. Em 2002, o Paysandu foi campeão da Copa dos Campeões do Brasil, sem contar que o Papão venceu o Boca Juniores em Buenos Aires, no famoso estádio Bomboñera, pela Libertadores. O Clube do Remo foi campeão da série C, do Brasileirão de 2005 e do Torneio Internacional de Toulon, na França, em 1995. Foram muitas glórias conquistadas pelo futebol paraense.
O destino me levou para a política, na qual as discussões são mais passionais. Entretanto, eu me sinto feliz quando ainda vejo essa alegria das torcidas nas gozações que fazem entre si ou nas charges que saem nos jornais, no outro dia após um jogo. Eu tenho sofrido com o meu Remo, mas acho tudo muito engraçado, já faz parte da nossa vida. O ruim é ver essa tristeza que se espalhou pelo futebol dos nossos maiores times: Remo, Paysandu e também a Tuna Luso Brasileira. É triste ver o futebol se esvair em fases difíceis. Outro dia, vi num blog a transcrição de uma carta que fiz ao presidente da CBF solicitando ajuda ao Remo ou ao Paysandu para participarem de um campeonato nacional. Não vejo nenhum problema. Sou remista, mas sou paraense acima de tudo. Não sinto constrangimento em fazer interferências e usar a minha possível influência política para ajudar qualquer time do Pará. Quando um clube do Pará joga com um clube de outro estado ou país, é claro que eu torço pelo Pará, sem nenhum problema. O futebol é um grande instrumento de divulgação e como atividade empresarial é uma das mais lucrativas. Então, por que Remo e Paysandu vivem dias tão difíceis? Na minha opinião, primeiro pela precária gestão dos clubes e consequente fraco desempenho. Depois por causa dessas contratações absurdas que são feitas, lá fora, de jogadores em fim de carreira que são trazidos pra cá a peso de ouro, e depois sai estampada no noticiário esportivo a reclamação milionária desses jogadores. Já vi várias vezes isso. Até reclamação de jogador que só atuou em uma ou duas partidas.
É preciso que os cartolas repensem esse caso. É preciso valorizar a prata da casa. Eu citei exemplos do passado, porque os jogadores paraenses, além de talentosos, faziam tudo para que suas famílias e o seu município vissem o seu trabalho em campo. É preciso investir nos nossos talentos porque os cartolas estão fazendo o contrário. Em vez de ter olheiros lá fora, para trazer perna de pau para cá, é melhor investir na preparação física, no treinamento, nas condições que hoje existem para o jogador permanecer no clube. Também é preciso ter olheiros nas escolas, nas periferias, nos municípios e construir as escolinhas de craques. O Flamengo foi um grande exemplo, que chegou a ter um time com quase 100% de jogadores que frequentaram a sua escolinha, na era Zico.
Nesses dois últimos anos, quando o Independente de Tucuruí e o Cametá foram os campeões paraenses, nós tivemos um exemplo de que o futebol do Pará precisa ser feito por caboclos. O técnico bi-campeão, Sinomar Naves, é de Mosqueiro. Foi ele o treinador do Independente e do Cametá, o nosso Mapará. Não adianta trazer técnico e jogador de fora. Nós precisamos valorizar o caboclo paraense. Daqui já saíram jogadores até para a Seleção Brasileira, como Sócrates, Geovanni e Ganso. E nós temos grandes times como o Águia de Marabá, o São Francisco e o São Raimundo de Santarém, entre outros. São exemplos da dimensão do nosso futebol. Eu me importo com o Remo e o Paysandu porque fazem parte da nossa vida, nos dão identidade, fazem o diferencial de ser paraense. Esses últimos anos têm que servir de ensinamento para o Remo e o Paysandu. O futebol e a torcida paraense no Mangueirão estão presentes na memória dos brasileiros amantes do esporte. Cabe, agora, retomar com competência o espaço perdido, e levar o futebol do Pará ao seu lugar de destaque no cenário nacional.
JADER BARBALHO*Texto originalmente publicado no Jornal Diário do Pará no dia 27 de Maio de 2012.